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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

"Memória e Cidade" - Imigração Espanhola em Niterói, por Eduardo Ângelo da Silva

Marta Caetetu - à 01h 13
Valonguinho - 1940


Memória da Imigração Espanhola em Niterói
Eduardo Ângelo da Silva -UFF

Este trabalho se integra à linha de pesquisa “Memória e Cidade” do Laboratório de História 
Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense, a qual engloba estudos sobre a cultura urbana e lugares de memória abarcando a discussão sobre identidades sociais e o patrimônio cultural na cidade. Esta linha de pesquisa tem como destaque de suas investigações os estudos sobre a história da imigração no século XX, voltando-se, principalmente, para as investigações sobre as comunidades de imigrantes do Estado do Rio de Janeiro. 

Uma vez que ainda são escassos os estudos sobre imigração que recortam como espaço de pesquisa a cidade do Rio de Janeiro e suas imediações1, o presente trabalho, que teve como objetivo o resgate da memória da imigração espanhola em Niterói, contribui para a constituição e desenvolvimento dos estudos relativos aos processos de imigração pós-Segunda Guerra Mundial que tiveram como destino centros urbanos. 
(...)

‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 

Agora que o estudo já foi situado dentro de um esforço maior de pesquisas sobre imigração, torna-se relevante apontar mesmo que de forma simplificada as etapas que o constituíram. 

Após definirmos os objetivos do trabalho, iniciamos a pesquisa histórica e o contato com a comunidade espanhola de Niterói através do Clube Espanhol de Niterói (CEN). 

Percebemos então que a maioria dos imigrantes fazia parte do fluxo imigratório espanhol para a América ocorrido a partir de 1945 até os anos 1960 e que a comunidade espanhola desta cidade é marcada pela presença galega. Estes fatos se explicam pela pesquisa realizada sobre o contexto histórico em questão. 



O período republicano espanhol que se inicia em 1931 e termina em 1936 foi marcado pela 
vitória da democracia, com maior participação popular em todas as instâncias da sociedade. Por outro 
lado, há também a dificuldade em se dar resposta rápida às demandas dos movimentos sociais, 
destacando-se neste caso, a reforma agrária. Tal dificuldade intensifica-se com as cisões dentro da 
própria esquerda quanto às diretrizes políticas a serem adotadas, como por exemplo, os embates entre 
socialistas e anarco-sindicalistas. Este impasse possibilita a rearticulação da direita fascista e de 
tendência golpista. Desta forma, em 1936 tem início a Guerra Civil Espanhola. De um lado, a força de 
organizações populares que defendiam o acesso a terra e ao trabalho, marcadas por um regionalismo 
que pensa a sociedade em sua pluralidade, do outro, um nacionalismo fascista e de tradição unitarista, 
conservadora, monarquista e clerical, apoiado externamente pelos italianos e alemães. A Guerra Civil 
leva a uma intensificação da crise econômica e social. O quadro de radicalização política se encerra em 
1939 com a instalação de um governo ditatorial sob a liderança do General Francisco Franco, tal 
regime se estende até a morte do ditador em 1975. Após o término da guerra, a Espanha é marcada pela 
supressão das conquistas republicanas de acesso a terra e ao trabalho, pelo controle dos sindicatos e 
pelo assistencialismo da Igreja Católica que tenta amenizar o problema social. 

É neste contexto marcado pelo conflito e miséria que muitas famílias deixam a Espanha após o 
término da Segunda Grande Guerra quando Franco abre a fronteira espanhola, especialmente as 
provenientes das regiões mais empobrecidas da época, dentre as quais, podemos destacar a Galícia3. 

No Brasil, durante o Estado Novo, a política imigratória estava em questão devido à 
necessidade de se ocupar o interior do país. Assim, apesar da regulação existente o país esteve aberto 
aos imigrantes, principalmente no pós-guerra. Nos anos 40, com o fechamento da fronteira do país mais 
procurado pelos imigrantes espanhóis, a Argentina, muitos deles foram desviados para o Brasil. A 
cidade de Niterói, então capital do Estado do Rio de Janeiro, por seu comércio menos explorado, 


‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 

moradias mais baratas e por sua proximidade à capital federal, atrai um número significativo de 
imigrantes galegos, o que se torna explícito ao observarmos o conjunto de sócios do CEN. 

Tendo realizado os primeiros contatos com o clube e identificado a comunidade que o compõe, 
começamos a definir o grupo que seria entrevistado e o roteiro de entrevistas a ser utilizado. 

De forma geral, o processo de imigração pós-1945 segue um padrão comum. Primeiro, há um 
contato prévio com o local escolhido tendo como objetivo a obtenção uma carta de chamada (garantia 
de trabalho, consignada pelo conhecido já aqui residente); posteriormente, ocorre um deslocamento 
feito por etapas: o pai, tio ou irmão mais velho vem primeiro e depois os demais integrantes da família 
(esposa filhos etc.) O objetivo central desta jornada é a busca por estabilidade econômica, chegando os 
imigrantes a trabalharem até 18 horas por dia nos primeiros anos. Por último, podemos dizer que a 
instalação destas famílias no novo país é marcada pelo contato com a comunidade imigrante já 
existente, o que facilita a adaptação tanto em termos financeiros como culturais4 e reforça seus laços de 
identidade. A comunidade espanhola se concentra no setor de bares e restaurantes, devido às redes 
sociais constituídas no processo de deslocamento. Esta não é uma peculiaridade de Niterói, mas uma 
característica de todo o Brasil. Contudo, há também em Niterói uma significativa presença espanhola 
no comércio de fotografias, transportes urbanos e construção naval. A presença de espanhóis neste 
último ramo cresce principalmente a partir de 1964, quando o Estaleiro Empresa Nacional de 
Saneamento, localizado na Ilha da Conceição nesta cidade, contrata operários dos centros galegos 
especializados em construção naval, destacando-se entre eles, as cidades de Ferról, Cadíz e Cartagena. 

Buscando salientar os aspectos acima citados que caracterizam a comunidade espanhola de 
Niterói, os entrevistados foram escolhidos seguindo o critério de exemplaridade. Os grupos de 
entrevistados foram definidos principalmente por suas ocupações (na tentativa de contemplar a 
diversidade da atuação espanhola na cidade) e por suas relações familiares ou de proximidade (o que 
procurou resgatar os laços de solidariedade e identidade no processo de estabelecimento dos 
imigrantes). Além destes critérios podemos perceber uma preocupação com a eqüidade de gêneros ao 
se verificar o número de homens e mulheres entrevistados. Entrevistamos sete homens e nove 
mulheres, num total de dezesseis entrevistados. 

Os principais temas que nortearam o roteiro de entrevistas foram: 

-As lembranças da Espanha: nascimento, infância, família, estudos, cotidiano, comidas e 
motivos da partida; 

-A partida: relações antecedentes com o Brasil, situação na Espanha, preparativos para a 
viagem, a viagem (data, meio de transporte, bagagem, objetos de lembrança e fotos); 


‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 

-A chegada: dia da chegada, destino, recepção, instalação e atividades; 

-A vida no Brasil: locais de moradia, trajetória profissional, estudo, casamento, família, filhos e 
descendentes; 

-A vida em Niterói: lembranças da cidade (lazer, locais preferidos, vida política, fatos), o Clube 
Espanhol (sua relação com a comunidade espanhola da cidade), as comidas e costumes trazidos com os 
imigrantes; 

-O tempo presente: relação com a Espanha (retornos à região de origem), trabalho, lazer, 
expectativas e esperanças. 

O que se pretendeu com tal abordagem foi o resgate da memória das experiências vividas pelos 
imigrantes, desde sua partida da terra natal, o que nos informa sobre a conjuntura histórica em que suas 
trajetórias se dão, até as relações estabelecidas com a comunidade de destino (a cidade de Niterói), o 
que permitiu a investigação sobre a permanência de seus vínculos identitários, costumes e tradições. 

Para as ocasiões em que as entrevistas foram realizadas pedimos aos entrevistados que 
trouxessem suas fotografias de família, pois além de servirem como estímulo à memória dos depoentes, 
ao final do trabalho, elas acabaram constituindo uma coleção de imagens que ao lado dos depoimentos 
orais formaram um importante conjunto de fontes para estudos posteriores. 

O livro “Memória: Imigração Espanhola em Niterói”, resultado do projeto aqui descrito, foi 
dividido em duas grandes partes: a primeira, com depoimentos relacionados ao circuito profissional em 
que os imigrantes espanhóis predominaram (circuito de bares, restaurantes e hotéis) onde se destaca a 
relação dos entrevistados com o CEN (principal espaço de sociabilidade desta comunidade); sua 
segunda parte pretende abordar as demais atividades desenvolvidas pelos imigrantes (na construção 
naval, estúdios de fotografia e circuito educacional) e a relação destes espanhóis com o primeiro grupo. 

Em nossa comunicação neste painel sobre imigração, além de apontarmos elementos de grande 
relevância para a compreensão do trabalho desenvolvido – os fatores motivantes, o contexto em que é 
realizado, suas etapas, relevância e objetivos – pretendemos desenvolver algumas análises sobre uma 
parte de seus produtos, neste caso, os depoimentos orais. Assim, o processo histórico em questão 
poderá apresentar novos ares ao ser analisado através dos relatos colhidos. 

Notas: 

1 Estes estudos são escassos especialmente quando comparados ao grande número de trabalhos existentes sobre 
processos de imigração em outros estados, como os que se dedicam às comunidades imigrantes do Estado de São 
Paulo, dos três estados do Sul e também de Minas Gerais. 
2 Ambas pesquisadoras são vinculadas ao LABHOI e coordenaram o projeto “Memória da Imigração Espanhola 
em Niterói”. 


‘Usos do Passado’ — XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ 2006: 

3 A Galícia é uma região ao norte da Espanha, entre Portugal e o Oceano Atlântico, suas províncias são: La 
Coruña, Lugo, Orence e Pontevedra. No período do fluxo imigratório tratado, a Galícia é uma região pobre com 
forte presença camponesa e tradição marítima. 
4 Os espanhóis recém chegados a Niterói podiam contar com o apoio financeiro da comunidade já estabelecida. 
Em muitos casos eram realizados empréstimos entre amigos até que a situação dos novatos se estabilizasse. 
Quanto ao apoio na adaptação cultural, podemos citar como exemplo o fato de espanholas que já aqui viviam 
auxiliarem as novatas no conhecimento da nova língua, principalmente ao fazerem compras, exemplo que ilustra 
a solidariedade existente entre os imigrantes. 


Bibliografia: 

MAUAD, Ana Maria; GOMES Angela de Castro (orgs). Memória: Imigração Espanhola em Niterói. 
Niterói, Niterói Livros, 2006. 

GOMES, Angela de Castro (org.). História de famílias: entre a Itália e o Brasil. Niterói, Editora 
Muiraquitã,1999. 

GOMES, Angela de Castro (org.). História de imigrantes e de imigrações no Rio de Janeiro. Rio de 
Janeiro, Editora Sette Letras, 2000. 

GOMES, Angela de Castro (coord.). Personagens e imagens de uma cidade. Rio de Janeiro, 
Mauad/FAPERJ, 2001. 


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