por Marta Caetetu - à 03h 39
Reportagem sobre a morte de Anísio Teixeira,
publicada na edição de 15 de março de 1971 do
Jornal Última Hora
Sob a mais intensa emoção, ungida de respeito e saudade, admiração e carinho, transcorreram as longas horas em que o corpo de Anísio Teixeira foi velado na capela da Real Grandeza. Ali se encontram no adeus ao grande mestre e admirável ser humano, que foi Anísio Teixeira, algumas das figuras que melhor representam a cultura brasileira em todos os seus setores.
À frente de todos o Professor Hermes Lima, amigo de tôdas as horas de Anísio Teixeira, desde as bancas da escola primária na Bahia até sua consagração universal como um dos maiores educadores de todos os tempos.
Professôres universitários escritores desfilaram diante do corpo de Anísio Teixeira prestando, em nome de tôda a Nação, uma homenagem de que se tornara merecedor como poucos.
A brutalidade da notícia e o encontro do corpo, depois de 48 horas de angústia e desespêro da família e amigos, em que tôdas as versões foram aventadas, deram ao velório uma atmosfera de tragédia silenciosa e patética.
O Professor Anísio Teixeira foi sepultado às 17 horas de ontem, no Cemitério de São João Batista, em presença de vários amigos e familiares que ali compareceram para levar seu último adeus ao mestre tràgicamente desaparecido.
O corpo, que estava sendo velado na Capela da Real Grandeza, foi transportado ao túmulo 19.679, da quadra 6 do Cemitério de São João Batista. O caixão estava coberto com uma bandeira da Associação Brasileira de Educação e o Presidente da entidade, Professor Benjamim Albagli, foi quem falou à beira do túmulo, prestando as últimas homenagens ao morto. Ressaltou suas qualidades como mestre, lembrando todo o trabalho desempenhado por êle em favor do setor educacional do País.
Estiveram presentes à cerimônia fúnebre, além de seus familiares, os acadèmicos Austregésilo de Athayde, Peregrino Júnior, Marques Rebêlo, Aurélio Buarque de Holanda, Barbosa Lima Sobrinho, Hermes Lima e Afrânio Coutinho. Além de vários acadêmicos compareceram também seus amigos Flexa Ribeiro, ex-Secretário de Educacão da Guanabara, Embaixador Paulo Carneiro, Advogado José Nabuco, Arquiteto Lúcio Costa e os atôres Octales Marcondes, Arthur Neves e Ênio Silveira.
A morte
O Professor Anísio Teixeira foi encontrado sem vida no poço de um dos elevadores sociais do Edifício' Duque de Caxias, na Praia de Botafogo, 48. Crime ou acidente? Até agora nenhuma autoridade tem opinião formada. Nem os peritos - de criminalística e engenharia - emitem opinião. Vão estudar em minúcias o levantamento feito no local para comparar com o laudo cadavérico. Só então o Instituto de Criminalística irá se pronunciar.
Na área policial, o Comissário Limoeiro, da 10ª Delegacia, registrou o caso como morte suspeita e acha muito difícil ter o professor simplesmente caído no pôço. A posição em que o corpo foi encontrado.- de cócoras, com a cabeça junto aos joelhos, sob um platô de cimento armado meio metro acima do fundo do poço - os ferimentos na base da cabeça e no rosto, respingos de sangue na parte interna da casa de fôrca e o estado de decomposição do cadáver reforçam as suspeitas de crime. A família do professor, entretanto, está convencida de que foi acidente.
Hoje, seis operários que trabalham no prédio, dois porteiros, um faxineiro e o síndico começarão a ser ouvidos pelo Delegado Mário César.
O local
Quem entra no Edificio Duque de Caxias e pretende ir ao apartamento do acadêmico Aurélio Buarque de Holanda, dobra à direita no fim do hall, passa pela porta que dá acesso ao subsolo do prédio e chega ao elevador social. Ninguém viu o Professor Anísio Teixeira entrar rio prédio, nem mesmo o porteiro que estava de serviço, apesar de êles afirmarem que jamais se ausentam do local sem que ali fique outra pessoa responsável.
Descendo vários lances de escadas, chega-se ao subsolo, bem em frente ao elevador de serviço da ala direita do prédio. Só o do serviço desce até ali. O social não. Existe um quarto, onde os operários trocam de roupa. A porta fica permanentemente aberta. Mais adiante, uma portinhola de um metro de comprimento por 20 centímetros de largura - sempre fechada a chave - dá para o poço dos elevadores.
Do lado fica a caça de fórça. Mais adiante, em outro aposento, estão os servjços de luz e o contrôle da água. O local é movimentado. Durante o dia ali circulam os seus operarios que fazem o revestimento da área interna, os porteiros, os faxineiras, as empregadas domésticas. O local é lavado diàriamente. Dia e noite as chaves de luz, fôrça e água são manobradas.
Hipóteses
O poço dos elevadores é duplo. De um lado o de serviço, com o elevador descendo até o nível do local em que morreu Anísio Teixeira. O social para dois ou três metros acima sôbre molas fixadas em duas pilastras horizontais de cimento armado.
Abaixo dessas pilastras existe um platô também de cimento, meio metro acima do fundo do poço. Ali existe do lado. direito uma bomba de água. Do outro uma roldana por onde corre um dos cabos do elevador. A distância entre as pilastras e a parede é de no máximo dez centímetros. A bomba e a roldana praticamente fecham o platô isolando-o do vão do elevador de serviço. A polícia em princípio conclue:
- Se o Professor Anísio Teixeira tivesse caído no espaço do elevador de serviço jamais iria cair no platô;
- Se êle despencasse pelo vão do elevador social, fatalmente bateria nas pilastras e o seu corpo dificilmente passaria entre as aberturas das pilastras e da parede.
O Professor Anísio Teixeira estava exatamente sobre o platô, de cócoras, com a cabeça sôbre os joelhos e as mãos segurando as pernas. Entre os pés uma poça de sangue. Na parede, bem no canto, abaixo das duas pilastras, alguns pingos de sangue. Mais nada. As pilastras não mostravam ranhuras no cirnento, na pintura, nem marcas de sangre, coisa que aconteceria se o corpo tivesse batido ali.
Quando a portinhola que da acesso ao platô foi aberta e encontrado o cadáver, outra porta, a da casa de fôrça também estava escancarada, A perícia encontrou aí muitos respingos de sangue. Em seu interior tudo era normal.
Colocado
Outra conclusão da polícia: acidente é pràticamente impossível, a posição do corpo fere tudo o que já foi visto até hoje na base do acidente. Alguém matou e colocou ali o cadáver do Professor Anísio Teixeira. Outros dois detalhes reforçam a hipótese de crime e foram anotados com cuidado pelo comissário Limoeiro:
- chão em volta da portinhola que dá acesso ao poço do elevador foi lavado;
- os óculos do professor foram encontrados em uma das pilastras. Tudo leva a crer que foram ali colocados, pois uma das hastes estava aberta, as lentes viradas para cima. Na outra haste um punhado de cabelos castanhos.
Acidente
Ao ser retirado do local em que faleceu, o Professor Anísio Teixeira estava sem sapatos e sem paletó. Suas calças apresentavam rasgões em ambos os lados e isso é que leva a Polícia a crer também na possibilidade de acidente. Êle entrou no prédio, dirigiu-se ao elevador. A porta estaria com defeito. O professor puxou, ela abriu e êle entrou, caindo. Ferido, ficou de cócoras, sem fôrças para gritar por socorro até que morreu.
Entretanto, o síndico Leon Joseph e alguns moradores afirmam que há vinte dias os elevadores foram revisados e nunca mais houve reclamações de portas que se abriam sem que o aparelho estivesse naquele andar.
Quem foi Anísio Teixeira
Anísio Teixeira privou de grande amizade com os escritores Monteiro Lobato e Afrânio Peixoto, apelidando-o êste último de "flor de ponta de galho", imagem feita para ressaltar suas qualidades.
Sempre dedicado na tarefa de dar base científica e técnica à educação no Brasil, a qual considerava como o nosso maior problema político Anísio Teixeira conseguiu renome internacional. Obteve na Universidade da Califórnia um dos mais importantes títulos norte-americanos e foi convidado a tomar parte da "comissão dos sete sábios", que elaborou uma enciclopédia universal. Foi o introdutor no Brasil do conhecido educador John Dewly, de quem traduziu as obras, e aqui também introduziu as escolas-parque, sistema educacional que reúne atividades pedagógicas, lúdicas, manuais e associativas.
Obra
Anísio Teixeira nasceu em Caeteté, Bahia, e completou o curso secundário no Colégio dos Jesuítas de Salvador. Graduou-se em Direito no Rio de Janeiro e em Ciências de Educação, pela Universidade de Colúmbia, nos EUA. Foi o idealizador da Universidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor, e fundador da Universidade do Estado da Guanabara. Ex-professor de Filosofia da Educação da antiga Universidade do Distrito Federal e do Instituto de Educação, Anísio Teixeira teve como último cargo o de membro do Conselho Féderal de Educação.
Além de ensaios e estudos, são os seguintes seus trabalhos publicados: Educação Não é Privilégio, Educação e a Crise Brasileira, Em Marcha para a Democracia, Aspectos Americanos de Educação, Vida e Educação, Educação Progressiva, A Universidade e a Liberdade Humana, Educação Pública no Rio de Janeiro, Diálogo sôbre a Lógica do Conhecimento e Educação para a Democracia.
Homem de muita atividade, Anísio Teixeira iniciou cedo - aos 24 anos de idade - sua vida pública, como Secretário de Educação da Bahia, cargo que voltaria a ocupar no Rio, com 33 anos, e novamente na Bahia. Um episódio ocorrido em 1946, quando foi convidado pelo então Governador da Bahia, Otávio Mangabeira para tornar-se titular da Educação naquele Estado, é sempre lembrado por seus amigos quando desejam destacar sua personalidade O educador, naquela época, recebera a concessão de explorar as minas de manganês do Amapá mas apenas um telefonema de Otávio Mangabeira, que o convidava para ser um de seus secretários, fêz com que trocasse os milhões que o esperavam pelo salário do Governo.
Atualmente com 70 anos de idade, o Professor Anísio Teixeira preparava-se para ser eleito, pràticamente por unanimidade, para a Academia Brasileira de Letras, a qual se candidatou atendendo a convites de vários amigos. Dedicava cêrca de 14 horas por dia à leitura e à produção de trabalhos sobre educação, enquanto dirigia uma coleção de livros pedagógicos para a Companhia Editôra Nacional.
Câmara ardente
Vários amigos foram prestar sua última homenagem na capela do Cemitério de São João Batista àquele que é considerado o reformulador do sistenta educacional da América Latina. Entre os presentes ao velório estiveram o Professor Afrânio Coutinho, o escritor Adonias Filho, Paulo Carneiro, o representante do Brasil na UNESCO, Deputado Célio Borja, ex-Senador Antônio Balbino, escritora Adalgisa Néri, Flávio Cavalcânti e Clementino Fraga Filho, êste filho de Clementino Fraga, a quem o Professor sucederia na Academia Brasileira de Letras.
Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: UnB Agência. Fotos: nome do fotógrafo/UnB Agência.
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