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sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os caminhos e (des) caminhos da Educação do MST

  RJ, 09/11/2012  - às 22h 06
A Educação do MST para além do controle político
Autora: Marta Caetetu

“(...) a história das ideias pedagógicas mostra que a pedagogia, isto é, a teoria da educação, é filha das crises sociais e políticas. É essencialmente em período de crise social e política que uma sociedade se interroga sobre a educação que dá a sua juventude...”
(Charlot, 1979)

ResumoA distância que separa o Brasil de seu passado monocultor de um presente industrial, não é tão grande assim, embora para nós represente uma eternidade. Para aquém e além das transformações econômicas, há um processo educacional por um lado interrompido e por outro, não construído. Este fato reverbera aumentando as desigualdades entre o campo e a cidade e relega o primeiro ao abandono quase total. Na atualidade, creio que não tenhamos um Projeto de Educação Nacional que atenda às áreas urbanas e rurais de acordo com suas especificidades. O Brasil do passado monocultor é hoje, entre outros aspectos, o Brasil dos Sem-Terra que lutam não somente pelo direito ao chão, mas também por um Projeto de Educação. No presente Artigo pretendo discutir os rumos da Educação do MST, sublinhando a construção independente de um Projeto educacional nem seu interior, bem como seu status relevante para a reprodução do próprio Movimento e para a reflexão de todos aqueles que, de algum modo, estão envolvidos essa grande temática que é a Educação.

Palavras-chave: Projeto de Educação Nacional – Educação do MST – reprodução do Movimento 

Introdução

     Como Professora da Rede Pública Estadual e Municipal do Rio de Janeiro há vinte e oito anos, tenho pela Educação um olhar mais do que atento e um interesse por diversos aspectos que tangenciam a temática. Não por acaso, neste artigo me proponho a discutir os caminhos e (des) caminhos da Educação do MST. Não possuo experiência concreta alguma, porém é possível propor uma discussão, senão pela prática, ao menos pelo interesse acadêmico que, certamente, desperta. Na intenção muito mais de provocar a reflexão, tentarei demonstrar que existe um dilema educacional no Brasil e que a Educação do MST faz parte dele. O objetivo aqui não é o de julgar as condições políticas objetivas nas quais o Movimento se insere, mas como sua ideia de Educação está inserida ou não nas condições objetivas nacionais.
     Dos jesuítas aos nossos dias, uma situação evidente de desigualdade permeia as ações governamentais na área da Educação criaram e permanecem ratificando um sistema elitista. E como fica, então, a singularidade da Educação do MST à luz desse sistema? É este o ponto que pretendo abordar em seus limites e realizações.


Os jesuítas e a Educação no Brasil

      Como era próprio à época Colonial, a Educação elementar ou universitária era monopólio de poucos.
   O colégio e a universidade nesse  tempo eram destinados a pouca gente. As diferenças sociais, determinantes do quadro organizacional, são marcadas não apenas pelo poder, mas também pela explicação que disso se dá.        (PAIVA, 2003, p. 43).

     Já é possível ter uma pista para o que reputo ser o dilema da nossa Educação. São as relações de poder e os mais variados discursos que também pautam os caminhos a serem seguidos nessa temática. Os jesuítas não propuseram a diferenciação do seu sistema educacional, apenas construíram no Brasil um sistema à imagem e semelhança do sistema forjado em terras portuguesas e consagrado antes mesmo da formação da Companhia de Jesus, no século XVI.

As perspectivas educacionais no Brasil do século XIX

     Embora o projeto de educação jesuítica tenha findado no século XVIII, sob a égide do furor pombalino, as discussões na cessaram nem no Império, nem nos inícios republicanos.

               A historiografia consagrada sempre           concebe a educação primária do século         XIX confinada entre a desastrosa    política pombalina e o florescimento da        educação na era republicana. Tempo de        passagem, o período imperial não   poucas vezes é entendido, também, como a nossa idade das trevas ou como        um mundo onde, estranhamente, as         ideias estão, continuamente, fora de             lugar. (FARIA FILHO, 2003, p. 135).

     As perspectivas para uma educação pós-colonial e, posteriormente, republicana estiveram muito menos ligadas a um Projeto central e mais aos círculos intelectuais, que debatiam intensamente a urgência de escolarização da população, sobretudo dos mais pobres que sempre estiveram alijados do sistema elitista. Os debates eram permeados, inclusive, no período imperial, pela defesa de projetos que buscavam alcançar a educação dos negros recém-libertos. Joaquim Nabuco[1] por exemplo, levou à tribuna, de forma irretocável, discursos memoráveis acerca da educação dos ex-escravos.
     É possível perceber que havia no horizonte das ideias certo grau de ruptura com o sistema colonial, propostas mesmo de universalização do ensino.

Os inícios do século XX e o Escolanovismo

     Os debates acerca da Educação no século XX foram diretamente influenciados pelo modelo estadunidense, principalmente, por parte de intelectuais reformadores e propositivos no sentido da criação de uma chamada Escola Nova.

               A Escola Nova, inspirada em grande         medida nos avanços do movimento educacional norte-americano, mas           também de outros países europeus, teve       grande repercussão no Brasil. Os ideais        que lhe deram corpo foram sempre          inspirados na concepção de   aprendizado do aluno por si mesmo,             por sua capacidade de observação, de     experimentação, tudo isso orientado e          estimulado por profissionais da             educação que deveriam ser treinados            especialmente para esse fim. Duvidando dos métodos convencionais,            acabava questionando toda uma        maneira convencional do agir            pedagógico. (BOMENY, 2003, p. 43).

     Foi realmente um século de muitas proposições, de reformas educacionais, de criação de órgãos federais e de entidades diversas. Mas, o que aqui nos interessa é compreender o que de fato ocorreu. Primeiramente, devemos recordar que os ideais defendidos pelos intelectuais da chamada Escola Nova – baseados numa escola pública, gratuita e laica – deixavam claros os problemas que ainda deveriam ser enfrentados, em pleno século XX. A escola pública era para poucos consortes e no bojo das questões, havia a disputa entre o estado e a Igreja. Indo além, é bom não esquecermos de que a formação docente era algo raro e os primeiros passos eram dados, geralmente, por leigos como se a Educação pudesse ser realizada por todos e qualquer um.
     Como já citado anteriormente, reside na questão um embate político, um projeto mesmo de Nação suportado por uma história econômica que remonta aos tempos coloniais. A escola pública, gratuita e laica realçou as diferenças na Educação brasileira.
     Esse também foi o momento, a partir de 1917, dos Movimentos de Educação no Campo, alavancados pela Igreja Católica, através das Comissões Pastorais da Terra, das Ligas Camponesa, na década de 1950 e dos Movimentos de Educação de Base (MEB) criados em 1961 pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que demonstravam uma linha política diversa da linha traçada no cenário nacional.  Além disso, janeiro de 1984, foi o ponto de partida para a construção do MST.
     O século XX trouxe para o palco atores que não estavam acostumados a script educacional algum, fazendo com que as discussões urbanas fossem permeadas pelas discussões acerca da educação desses “velhos” atores. Eis, em minha opinião, um elemento-chave para as questões presentes.

O século XXI e a Educação no Campo e do MST

     Como procurei demonstrar até aqui, de forma breve, a Educação brasileira, talvez, não padeça pela falta de um projeto Nacional. O que quero dizer, é que ele jamais deixou de existir. O fato é que dependendo do lugar social e da política ideológica do interlocutor é como se ele fosse um fantasma. Isso porque o Estado brasileiro tem empreendido uma variedade de ações, mas todas circulam em torno de um projeto político que escamoteia os níveis reais (e risíveis) em que se encontra nossa educação.
     A Educação do Campo a partir deste ano passa a contar com amparo legal[2] que se destina à ampliação e qualificação de oferta de Educação Básica e Superior. Além disso, o documento produz novos sentidos para populações do campo escolas do campo.

               I - populações do campo: os           agricultores familiares, os extrativistas,         os pescadores artesanais, os ribeirinhos,      os assentados e acampados da reforma         agrária, os trabalhadores assalariados
            rurais, os quilombolas, os caiçaras, os            povos da floresta, os caboclos e outros         que produzam suas condições materiais    de existência a partir do trabalho no meio rural; e
            II - escola do campo: aquela situada em       área rural, conforme definida pela     Fundação        Instituto Brasileiro de   Geografia e Estatística - IBGE, ou    aquela situada em área urbana, desde           que atenda predominantemente a             populações do campo. (Decreto        Federal,           Artigo 1º, § 1º, 2010).

     O Censo Escolar de 2009, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), aponta que existem no Brasil mais de 80 mil escolas de educação básica localizadas em áreas rurais, inclusive as escolas do MST. O que nos leva a refletir que a partir deste ano haverá uma tendência de que esse número seja bem maior, a considerar as definições contidas no Decreto Federal.

      Embora o instrumento legal tenha vindo ao encontro de vários anseios do MST, este, hoje, possui um lugar social definido. O Movimento reconfigurou sua forma de luta em relação às aspirações da Educação oferecida pelo Estado.  Sua atuação passou a ser pelo reconhecimento das suas escolas de Ensino fundamental I e pela formação de docentes que possam atuar em escolas de assentamentos ou acampamentos, a partir de uma formação que valorize a cultura política do Movimento.
     O material utilizado nas escolas do MST é diferente de qualquer material que circula fora delas. É produzido por eles para eles, com a finalidade fundamental de reproduzir as lutas do Movimento no sentido da obtenção de terras. Por isso, os princípios básicos residem em dois pilares: educar para transformar e educar a partir da prática; do trabalho. A Educação do MST é, antes de qualquer coisa, um ritual político, a reprodução do Movimento.
     A questão, a meu ver, que deve ser posta no centro dos debates, é o fato de que existe um Projeto de Educação que é político, mas, que não é de forma alguma Nacional e sobretudo, é construído a partir de identidades culturais que o subjazem. E isto não ocorre com a chamada Educação brasileira. Estaremos nós presenciando dois sistemas legais de Educação radicalmente opostos? Um que produz seu próprio material e outro que o recebe como fruto de negociações milionárias? Qual o papel do Professor nesse contexto? E dos intelectuais? E da sociedade em geral?
     O ponto de partida e de chegada desse artigo é o mesmo: a política. Ao menos, é isso o que nos revela os caminhos e descaminhos da Educação do MST.

Considerações finais

     Espero ter alcançado o objetivo de provocar, de inquietar com as colocações feitas. Obviamente, a temática é bem mais abrangente e precisa ser mais discutida nos espaços acadêmicos e fora deles. Entre os muros das escolas, os Professores têm de ser oportunizados no sentido de poderem entrar em contato com questões mais formais, porém, não menos importantes, que dizem respeito ao seu fazer pedagógico. Repousar em berço esplêndido quando ele é sonho, não propicia à reflexão, além de turvar o olhar e não dar conta do contexto.
     Entender a Educação do MST vai muito além de meras comparações. Funciona como um paradigma, torna visível “velhos” atores, rompe com a retórica do “isso, não pode”. Uma estrada está sendo pavimentada. Se devemos segui-la ou produzir novas estradas, depende da nossa capacidade em reconhecer que há uma longa discussão a ser travada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação.  2 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
BRASIL, Decreto nº 7.352 de 04 de novembro de 1996. Dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária. Disponível em http://www.jusbrasil.com.br  Acesso em: 15 nov. 2010. 
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no século XIX. In: 500 anos de educação no Brasil. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
PAIVA, José Maria de. Educação jesuítica no Brasil colonial. In: 500 anos de educação no Brasil. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
ARENHART, Deise. Infância, educação e MST: quando as crianças ocupam a cena. Chapecó: Argos, 2007.
PEREIRA, Júlio Emílio Diniz.  Derrubando as cercas do conhecimento: A educação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (Brasil). In: Currículo sem fronteiras. V. 3, n. 1, pp. 5-10, jan/jun 2003.




[1] Joaquim Nabuco (1849-1910) foi político, historiador, diplomata, jurista e jornalista. Junto com Machado de Assis, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
[2] O Decreto Federal 7.352 de 04/11/2010.


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